RASTOS
Era uma vez um comboio que sulcava a noite,
com seu bater de coração lento e pesado,
levando consigo o cheiro da lenha molhada
e o eco de uma cantiga esquecida pelo povo.
Pronto para as terras que conheço de memória —
aqueles lugares com nomes de santos e alecrins —,
viajo com o peso do que ficou por dizer
e o vapor do café que entibia as mãos.
Os momentos respiram, fugazes, à janela,
enquanto passam vilas de luzes ténues,
casacos embutidos de histórias não contadas,
e o rumor das páginas que ninguém nota.
Ninguém sabe como foi — ou como teria sido —
o peso do tempo, esse pecado silencioso
que carrego comigo como bagagem clandestina:
cartas nunca enviadas, anéis que brillhavam mais.
Avançamos sem pressa, mas sem demora,
como quem sabe que a chegada é apenas um mito.
Atravessamos o toque — breve como um relâmpago —
e seguimos viagem com o sabor do adeus na boca.
Há quem diga que estas linhas férreas são fios de destino,
tecidos por uma mão anciã e cansada.
Eu digo que são versos soltos sobre a terra,
escritos com carvão e lágrimas de ferro.
Em cada paragem, um rosto desfoca-se no vidro,
em cada paisagem, uma promessa por cumprir.
Até que a noite se faça espessa como alcatrão
e as estrelas se confundam com faróis distantes.
E assim seguimos, eternos passageiros
deste comboio que não tem mapa nem hora,
carregando o silêncio como um fardo doce,
entre vapor de café e sombras de amor perdido.
