Fuga em Movimento

Deixo para trás a cidade, um animal de cimento e pressa,
que rosna trânsito e cospe multidões confusas.
Os semáforos piscam ritmos nervosos,
e as caras são um fluxo borrado de ausência.
O ar, espesso de buzinas e alcatrão quente,
gruda-me à pele como uma segunda pele, suja.
Pressiono o travão, escolho "D" de Partida.
Um ligeiro solavanco, o carro agarra-se à estrada.
O volante, frio ao toque, torna-se meu,
um osso que me liga ao asfalto.
E dentro desta cápsula de vidro, começo a meditar.
A mágoa é uma passageira silenciosa no lugar ao lado.
Não olho para ela. Sinto o seu peso, sim,
um volume de ar que cheira a despedidas e a café frio.
Os meus olhos fitam a linha branca, um fio contínuo de salvação.
A cidade, no espelho, encolhe, transforma-se numa mancha de ruído.
Aqui, o único som é o zumbido do pneu no alcatrão,
um mantra baixo e constante que afoga o mundo.
Hesito no pedal. Um segundo de pânico:
e se eu travar? E se voltar para aquele turbilhão?
O coração, esse relógio desregulado, acelera.
O corpo quer enrijecer, travar-me o movimento.
A mente é o pássaro, ainda, a bater contra os vidros,
mas já não por medo—por ânsia de espaço, de horizonte.
E respiro.
Neste espaço que roubei à cidade apressada,
encontro um silêncio que é só meu.
É nele, com as mãos firmes no leme da minha vida,
que aprendo a sossegar o animal assustado que trago dentro de mim.
E assim rolo,
nem em fuga, nem em busca,
mas no lugar exacto onde a vida acontece:
entre as memórias e os sonhos,
entre o agora e o futuro.
A estrada é o meu caminho de volta. E eu, finalmente, a conduzir.
