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Poesia Descalça

Aqui onde as palavras andam descalças, livres e verdadeiras, onde a poesia não usa sapatos de formalidade—caminha com os pés na terra e coração aberto.

Aqui onde as palavras andam descalças, livres e verdadeiras, onde a poesia não usa sapatos de formalidade—caminha com os pés na terra e coração aberto.

Poesia Descalça

29
Jul25

Risco Calculado

LucyHare

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São homens que correm  

contra o relógio de fogo,  

mulheres que medem  

o peso do medo  

e ainda assim dobram-se  

para o carregar.  

 

Não usam capas,  

usam botas com lama  

e um cansaço antigo  

que lhes pinta olheiras  

de noites mal dormidas.  

 

Conhecem o cheiro  

das casas a arder,  

o gosto amargo  

do suor e do pó,  

o som abafado  

de um choro atrás da porta.  

 

E mesmo assim,  

quando a sirene os chama,  

erguem-se outra vez,

não por glória,  

não por mito,  

mas porque alguém tem de ser  

a linha entre o caos  

e o que ainda se pode salvar.  

 

São apenas gente.  

Gente que escolheu  

olhar o inferno de frente  

e dizer:  

Hoje não..

29
Jul25

Dança do Sol no Oceano Dourado

LucyHare

Na vastidão do oceano, onde o céu se encontra com as águas, nasce uma dança de cores ao entardecer. O sol, com a sua luz dourada, despede-se do dia, levando consigo os desafios defrontados e as conquistas celebradas. Assim como o astro-rei, somos chamados a posicionar-nos, a defender as nossas convicções com coragem e autenticidade.  

Viver em harmonia com a nossa consciência é um ato de respeito, tanto para nós mesmos quanto para os outros. Quando olhamos para o horizonte, percebemos que o caminho para o crescimento pessoal, intelectual e ético requer uma bússola interna, um compromisso firme com aquilo que acreditamos. Cada decisão que tomamos é uma onda que se forma à beira-mar, refletindo os nossos valores e princípios.  

Nesta caminhada, podemos deparar com tempestades e calmarias. As vozes externas podem tentar desviar-nos do nosso curso, mas é essencial lembrar que, assim como o sol sempre volta a brilhar após a noite, também devemos ser resilientes. É no calor do respeito mútuo que construímos pontes, transformando diferenças em aprendizagens.  

À medida que o sol mergulha nas águas do oceano, ele ensina a arte da reflexão. Que possamos encarar o nosso próprio reflexo na superfície da água e ouvir a sabedoria que flui de dentro de nós. Crescer é entender que somos parte de um todo, e que as nossas convicções, quando defendidas com amor e entendimento, podem criar ondas de mudança.  

Assim, ao final de cada dia, ao contemplar o pôr do sol sobre o mar dourado, lembremos que viver é uma arte. E, como artistas das nossas próprias vidas, devemos pintar cada momento com as cores da integridade, da coragem e do respeito. Que as nossas convicções nos guiem, iluminando não apenas o nosso caminho, mas também aqueles que cruzam as nossas vidas.

 

29
Jul25

Três Pátrias em Mim

LucyHare

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Sou feita de pão quente,  

manteiga e açúcar a derreter,  

dos segredos que a avó contava  

enquanto o sol se punha a crescer.  

 

Lisboa deu-me o rio e o fado,  

o cheiro a peixe e a calçada molhada,  

as palavras que se perdem no vento,  

mas voltam sempre, feitas de nada.  

 

Trás-os-Montes trouxe-me a terra,  

o barro nos pés, o frio nos ossos,  

os animais que falam sem pressa,  

o silêncio cheio de regresso.  

 

Viseu guardou-me no colo,  

no aconchego das mãos enrugadas,  

no riso das raparigas da rua,  

nas histórias nunca acabadas.  

 

E agora, quando me perguntam  

de onde venho, eu sorrio:  

não me divido, multiplico-me,

sou três vezes o meu próprio rio.  

 

 

26
Jul25

O Espelho Líquido e a Sombra da Vontade

LucyHare

No éter aquático, a luz se desdobra,

Revelando um abismo sem forma, sem obra.

Mais límpida que a verdade que se esconde,

A água da piscina, onde o ser se responde.

 

Mas as minhas intenções, espectros da mente,

Dança oculta em véus de um passado latente.

Não se revelam ao olho, nem ao tato, nem ao som,

São ecos de um desejo, um etéreo batom.

 

Se a transparência é a virtude do cristal,

Minha vontade é um prisma, um portal.

Reflete o que se vê, mas distorce o que se sente,

Num jogo de espelhos, eternamente presente.

 

O que é a intenção senão um devaneio,

Um rascunho do ato, um esboço no meio?

Flutua na consciência, sem peso, sem cor,

Até que a matéria lhe dê forma e fulgor.

 

E se a água me acusa de opacidade,

É porque a alma humana é pura complexidade.

Um universo em si, de paradoxos e enganos,

Onde a clareza é um luxo, entre os planos.

 

Assim, entre o azul da piscina e o cinza do pensar,

Reside a ironia que nos faz divagar.

Que a água seja espelho, mas não da alma que anseia,

Pois a verdade é mais densa que a mais pura ideia.

 

E neste jogo cósmico, de ser e não ser,

O riso é a ponte para o não-entender.

Porque a sátira, afinal, é a mais fina lucidez,

Que desvenda o absurdo com rara intrepidez.

19
Jul25

Geografia dos Dias Invisíveis

LucyHare

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Há uma mulher que perdeu o último eléctrico da Graça  

e agora caminha pela Calçada do Carmo abaixo,  

pisando as sombras dos azulejos partidos 

que contam histórias de naufrágios urbanos.  

Os seus sonhos são grandes telas penduradas  

no átrio do Teatro Nacional, onde personagens  

de peças esquecidas lhe sussurram:  

"Lisboa é um palco onde todos representamos  

o mesmo papel — o de estrangeiros em casa própria."  

Esta madrugada, no miradouro de Santa Catarina,  

encontrou um chapéu de sol abandonado  

e dentro dele, uma fotografia dos anos 40:  

uma rapariga à beira-Tejo com um vestido  

que já não existe em nenhum alfaiate.  

Dobrou-a em quatro e guardou-a no sapato,  

como quem esconde um mapa roubado.

As ruas ensinam-lhe o que as escolas não contam:  

- Na Rua da Prata, os fantasmas dos ourives  

ainda pesam diamantes com mãos trémulas;  

- No Largo do Intendente, os versos malditos  

dos poetas bêbados crescem nas fendas  

como ervas daninhas;  

- E no Cais do Sodré, há um barco fantasma  

que só parte para quem não tem regresso  

escrito nos bilhetes de identidade.  

Ela procura não o destino, mas a curva  

onde a Rua Augusta desemboca no mar  

e de repente todos os relógios param,  

como naquele Verão de 1975 quando o país  

prendeu a respiração por onze segundos.  

Um vendedor de castanhas na Baixa diz-lhe:  

"— Menina, você tem olhos que já viram  

o rio correr ao contrário."  

Ela não desmente. Há noites em que jura  

ter visto o Tejo subir as escadas de Santana  

para beijar os pés da estátua do Marquês.  

Quando a lua ilumina o Castelo,  

ela sobe ao telhado da casa onde nasceu  

e escreve, a giz, nos tijolos:  

"Aqui jaz uma cidade dentro da cidade,  

feita de todas as vezes que me perdi  

para me encontrar noutra esquina."  

Enquanto isso, no café Martinho da Arcada,  

um velho marinheiro acaricia uma garrafa  

e murmura: "Aconteceu mesmo?  

Ou foi só mais um conto que inventei  

para sobreviver ao século XX

16
Jul25

Ritual da Alma Ausente

LucyHare

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Se eu te pedisse que me beijasses, beijarias a minha alma?

Se me pedisses que te beijasse, beijaria tua alma com a delicadeza de quem lê um livro aberto no escuro: sem ver, mas sentindo cada palavra

Se eu te mostrasse a minha alma, guardarias segredo?

Se me mostrasses tua alma, guardaria teu segredo como se guarda uma carta no fundo de um rio: onde só as pedras sabem, e elas não falam.

Se eu te contasse um segredo, caberia no teu coração?

Se me contasses um segredo, caberia em meu coração mesmo que fosse do tamanho do mundo — porque corações são como universos: infinitos por dentro.

Se eu te amasse com todo o coração, fugirias para longe?

Se me amasses com todo o teu coração, eu não fugiria. Ficaria parado, como árvore, para que tu fosses meu vento.

Se eu fosse para longe, sentirias a minha ausência?

Se fosses para longe, tua ausência seria como um copo vazio sobre a mesa: algo que não se enche, só se nota.

Se a minha ausência doesse, gostarias que eu voltasse?

Se doesse, eu não diria "volta". Diria: "a dor que sinto é prova de que exististe".

Se eu não voltasse, continuarias a beijar a minha alma ausente, em segredo, no teu coração?

E se não voltasses...
hum, então eu inventaria um ritual:
todas as noites, antes de dormir,
fecharia os olhos e sopraria teu nome
para as estrelas —
que são almas distantes
e sabem o que é brilhar sem ser visto.

15
Jul25

O General da Bagunça

LucyHare

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A tua mente é general  

deste exército desgrenhado,  

pega no caos, recruta a desordem  

e faz deles soldados bem alinhados!  

 

O universo atira-te asteroides,  

tu transformas em colares.  

A vida cospe peças soltas,  

tu montas mobiliário IKEA  

como quem brinca com Legos divinos!  

 

E quando o caos te invade a casa  

com seus sapatos sujos na entrada,  

tu não te assustas, não, senhor!  

Arregaças as mangas e gritas:  

Isso é só matéria-prima!  

 

Porque tu és

O maestro da trapalhada,  

O pintor do borrão cósmico,  

O chefe que pega no molho do acaso  

e faz dele banquete de rei!  

 

E no final desta epopeia,  

quando o caos já está domesticado  

e a desordem se rende aos teus pés,  

ergues a taça e declaras,  

com voz que faz tremer o infinito:  

HAVERÁ ORDEM!

MAS SÓ DEPOIS DA FESTA!

10
Jul25

Coração Aberto, Olhos Atentos

LucyHare

 

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Alguns entram na tua vida e trazem o verão contigo

— abres o coração e é como tirar os sapatos na relva molhada.

Não importa se pisas uma pedra

 ou se o chão está frio,

porque aquele instante de pura confiança

vale cada arrepio.

Depois há os outros,

 esses que chegam com sorrisos tão polidos como armadilhas.

Abres a porta e, quando dás por ti,

 já te levaram a paz e ainda te deixaram a dúvida a pagar as contas. 

A vida, afinal, é isto: um jogo onde às vezes ganhas um abraço

 e outras vezes aprendes uma lição.

 O segredo?

Dançar entre os dois sem perder o ritmo.

Guardar o coração quentinho,

mas manter as chaves à mão.

 E, sobretudo,

nunca deixar que te roubem aquele brilho nos olhos

 — mesmo que,

de vez em quando, ele tenha de ser de desconfiança.

Mais calor,

menos filtro

e com aquele misto de doçura

e realidade que só a vida ensina.

09
Jul25

Casa da Memória

LucyHare

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Nas paredes da memória, a tinta escorre devagar,  

cor de saudade antiga — um vermelho desbotado  

que tinge o papel de parede já enrugado pelo tempo.  

O chão está encharcado de lágrimas secas,  

marcas de quem chorou sem saber como chorar.  

 

A casa, rachada ao meio pela ausência,  

ainda se aguenta em pé,  

mas os seus pilares são feitos de silêncio.  

Os gritos do passado ficaram presos nas vigas,  

não chegam ao presente,  

mas às vezes, de noite,  

ouvem-se nos corredores do futuro.  

 

E eu pergunto, enquanto a luz do fim da tarde  

desenha sombras no chão:  

— Que quer de mim a vida?  

Não me deram um guião, nem mapa, nem bússola.  

Aprendi a caminhar tropeçando em mim mesma,  

por vezes a cair em almofadas de ternura,  

outras a bater contra pedras de desamor.  

 

O coração, esse velho náufrago,  

aprendeu a nadar em águas desconhecidas.  

Sobrevive, não vive —  

agarra-se a ilusões como tábuas de salvação.  

 

E assim se passa o tempo,  

entre sonhos que se desfazem ao nascer  

e realidades que se constroem sobre areia movediça.  

 

Mas há dias em que o vento traz um cheiro a mar,  

e então a casa inteira estremece,  

lembrando que nem tudo foi sempre tristeza.  

Há risos antigos escondidos nos cantos,  

há fotografias a preto e branco que ainda sorriem,  

há uma chaleira a assobiar na cozinha vazia,  

como se alguém estivesse prestes a chegar.  

09
Jul25

Além do Risco

LucyHare

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Aqui, onde a calçada desenha o seu limite,  

o pé que pousa fora da risca branca  

encontra o abismo e o abraço:  

o espaço que ninguém mediu.  

 

Não é terra prometida, não é exílio —  

é o sítio onde as palavras,  

livres das grades da gramática,  

se descalçam e pisam a relva virgem.  

 

Todos traçam as mesmas rotas no mapa,  

repetem as mesmas cantigas ao lume.  

Dizem "O rio sabe para onde corre", 

e entregam-lhe os pulsos,  

amarrados a barcos sem leme.  

 

Mas há quem escave o monte à faca,  

quem rasgue a pele do horizonte  

e cheire a tempestade  

antes de ela nascer.  

 

Liberdade não é um país  

nem um hino decorado.  

É a ferida entre os dentes  

quando mordes a própria língua  

e cuspes o silêncio.  

 

É o passo que inventa o chão  

enquanto cai.  

 

Olha: as doutrinas são casas  

com portas demasiado baixas.  

Dobramo-nos para entrar,  

e depois já não sabemos  

erguer a espinha.  

 

Eu prefiro o vento,  

mesmo que me desarrume o cabelo,  

mesmo que me roube o chapéu —  

ao menos sinto-o nos ombros,  

irmão selvagem,  

a lembrar-me que estou viva. 

 

Questionar não é partir pedra,  

é soprar sobre a brasa da certeza  

até que a cinza dance  

e revele o desenho do fogo.

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